Hegel e a conversão europeia da história
Eliane colchete
este texto é continuação dos blogs com o mesmo título;
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Encetando,
pois, a
questão da Fenomenologia, que
deve conduzir a essa aporia da exegesse que é o saber absoluto. Já
vimos que
Hyppolite
apenas tangencia a indagação que colocamos, sobre quem fala na
fenomenologia de Hegel, uma vez que ela apresenta o percurso da
consciência, porém não introspectivamente. Hyppolite de
fato não
colocou expressamente a questão desse modo,
pelo qual increve-se o limite da filosofia tradicional quando se
trata do empreendimento hegeliano.
Pelo
contrário, a
indagação que Hyppollite põe como ao que deseja responder, é
endereçada à estrutura da linguagem filosófica,
e
se ele se utiliza de Hegel na
exposição de sua tese
a propósoito da estrutura da linguagem filosófica,
é
por
considerar que
sua obra, especialmente a Ciência da Lógica e a Fenomenologia do
Espírito,
é
"modelo
de uma apresentação ou de um discurso filosófico".. (op.
cit. p.
171)
Aqui
o tema heideggeriano do fim da filosofia é mantido por Hyppolite,
não contestado. A premissa de base é a mesma. As ciências "tomaram
o lugar do pensamento metafísico", mesmo as Ciências Humanas
devido à Linguística (p. 170).
Premissa que, como já assinalei, não obstante o favor de muitos não
conta com todas as minhas simpatias,
nem quanto a ser atribuída ao que Hegel mesmo tinha em mente.
E
quanto a ele, a premissa de Hyppolite não o salva do rol metafisico
em que vimos Heidegger o listar.
Pelo contrário, se alguém perguntasse por que Hegel especialmente
seria oportuno, já que modelos de discurso filosófico podem ser
considerados quaisquer dos grandes filósofos da história, Hyppolite
o
posiciona como "o" modelo adequado devido a ser "o
último dos
grandes
metafísicos",
considerando que Hegel
estava perfeitamente consciente disso.
Mas
a comparação de
que se utiliza
não é tranquilizadora.
Estaríamos hoje para Hegel assim como a Idade Média tardia estava
para Aristóteles. Além
disso, a proximidade de Hegel, como sua influência profunda, é
atribuída a Leibniz.
Em Heidegger, esse é o nome mágico na operação que transpõe o
Cogito cartesiano, já ele mesmo
a operação metafísica da
modernidade,
do
intelecto à apetição, o que Heidegger sinaliza pois como a estação
principal na rota do verdadeiro fim, que seria a tradução radical
do desejo na Vontade de Potência sem
rosto de Nietzsche.
Ora,
podemos nesse ponto, sem qualquer desvio de rota, levantar esse
questionamento da
crítica heideggeriana da metafísica assim
como do fim da metafísica. A
posteridade, não se sabe bem se é presente ou
futuro,
uma
vez que
o fim e a coisa redundam
num mesmo.
Além disso, aquilo que está depois da metafísica, sem confundir-se
com o próprio fim dela, sendo designado o pensamento, este é não
qualquer, mas cingido por sua tarefa prescrita. Ao que parece, porque
sem ela não
se poderia pensar qualquer pensamento como instância pós-metafísica,
aqui o fim retornando porém não no mesmo sentido. Já não é o fim
que faz mesmo com a coisa, ciência metafísica, mas o fim que é
outro da coisa, pós-metafísica.
Ora,
se essa
crítica porta sobre algo que é conceituado como
a coisa mesma,
fim da
mtafísica já não
na ciência, mas em Nietzsche, haveria
um círculo não hermenêutico nessa critica da metafísica, se ela
se limitasse à
justificativa
de si por ter logrado inscrever o conceito nietzschiano na tradição
do conceito filosófico,
terceiro termo na trajetória de Descartes a Leibniz.
Certo,
pode-se redarguir que o importante para Heidegger é que se devemos
deplorar o fim da metafísica, não é por ter acabado, bem pelo
contrário, mas porque se o fim dela é a ciência, está apenas
(re)-começando.
Tal como qualquer pre-sença assim
como interpreta Heidegger a eksistência, aquilo que precede o
próprio ser,
enquanto uma possibilidade de vir a ser. Mas há presenças e
presenças, e a metafísica é no todo indesejável por isso que é
uma presença que impede que se compreenda o que as presenças são,
a sua relativa precedência, não
qualquer. Assim não haveria círculo numa crítica a alguém por
pertencer a uma tradição, justificada apenas por "demonstrar"-se
que aí se inscreve realmente, se há também a refutação da
pretensão explícita dela
como
de fato o que ela veio a ser. A metafísica sempre
totaliza
os entes, quando pelo
contrário diz estar universalizando
o Ser.
Mas
sendo
desse modo, como a metafísica poderia findar, nela mesma, naquilo
que se inscreve tão profunda e indelevelmente nela? Nietzsche
seguiu um método e totalizou o possível.
De que modo finalizou ele a metafísica? Pelo
contrário, a crítica pertinente de Heidegger a Nietzsche, e uma tão
penetrante que retirou para
sempre Nietzsche
dos limbos não filosóficos, isto é, não conceitualmente
sistemáticos
a que tantos se contentam relegá-lo, enunciou
de sensacional apenas isso: que ao contrário de tudo que ele mesmo
disse, jamais Nietzsche extrapolou a metafísica.
Nem se poderia dizer que ele a terminou nesse sentido de que a
solucionou. Pois, a crítica pós-metafísica de Heidegger, implica a
insolubilidade da
metafísica
enquanto uma única, gigantesca, falácia.
É
interessante que o "Nietzsche
2"
de Heidegger, não fale de Hegel. Aqueles
que pensam a questão do fim da filosofia em Hegel, o fazem por uma
boa razão, que é o enunciado hegeliano
de
ter traçado o limite intransponível a todo idealismo antigo,
como filosofia anterior à que ele inaugura como filosofia da
consciência, "fenomenologia". Mas
o que é então a instauração fenomenológica do
saber absoluto
?
Ele
não é a tarefa de amanhã, mas o que se realizou
hoje. Aqueles
que pensam que é o desempenho histórico, presente e futuro, da
ciência
e da política, parecem-me equivocados nisso pelo que "ciência"
não é "fenomenologia",
em outros termos, "autoconsciência".
Aquilo
que se realizou é a autoconsciência, o Eu
pensável.
Lacan
radicalizou a psicanálise como um empreendimento de cisão do Eu e
do Sujeito,
preservando somente a este último como ao
mesmo tempo o que pensa e o pensável. O que equivale ao descarte da
consciência nessa mesma categoria, a denegação de qualquer sentido
ulterior à consciência que não a pretensão "filosófica"
de uma Eucracia, entre
outras. Lacan nisso me parece apenas husserliano. O Eu que ele barra
é o correlato empírico da experiência na qual os objetos estão
fora.
Mas radicalizando também a Husserl - o que é esperável, pois se há
algo charmoso em Lacan é sua ausência
de cumplicidade para com a ambivalência - para
ele, o ele de 69, a consciência egológica se
reduz totalmente aos seus objetos.
Apenas
o Sujeito é quem os possibilita objetivamente.
O
Sujeito está, pois, nesse "Avesso" que seria a Verdade se
houvesse, relacionado ao Real, aí
onde indubitavelmente, seja o Real o que for, está a realidade, que
é corpo.
Mas
que é corpo? Para Ponty, como estudamos antes (na página do outro
blog) é
a abertura de sentido do espaço. Para Lacan, é o
que resulta na
objetividade
produzida do inconsciente enquanto resolução do Sujeito daquilo que
é mais profundamente a sua especificidade na clivagem do gênero
sexual (masculino ou feminino). Essa clivagem agencia o desejo,
enuquanto a noção de agenciamento nesse
mesmo sentido em
que o desejo ao mesmo tempo sendo o determinante é o agenciado,
logo, sentido que é criador do objeto do desejo,
para
Deleuze-Guattari não poderia estar predeterminada pela biologia.
Assim
temos porém, dois sentidos do fim do idealismo "metafísico".
Pela consciência à Hegel, pelo inconsciente à Lacan
e os demais seguidores de Nietzsche.
Em
todo caso, o que Heidegger,
um passo atrás na trajetória da pós-metafísica que segundo ele
mesmo começa em Nietzsche, relativamente
a Lacan, critica
em Nietzsche, enquanto mais
uma falácia metafísica, parece-me
ser legitimamente reportado como a totalização dos entes sendo
feita porém, desta vez, como a totalização da subjetividade.
Enunciado
a princípio perfeitamente
ambíguo,
pois poderia sugerir apenas a repetição do que vimos acima:
Nietzsche, o Descartes novo, pós-leibniziano.
Mas o supreendente é que deve soar como o oposto. Como também já
entrevisto acima.
A
Vontade de Potência é sem rosto.
De que lado da pós-metafísica está Heidegger? Conforme o
encaminhamento, claramente do lado da consciência e da subjetividade
egológica.
Defaire
le visage,
este Cristo, palavra de ordem guattari-deleuziana do Mille Plateaux,
esse outro Avesso da psicanálise, que se pretende inaugural porém a
partir de uma outra análise, a "esquizo",
nietzschiana.
Será
que Lacan chegou a tanto na sua radicalização
da estrutura-gênero?
Ele nunca se separou de Freud, o
pensador do gênero, não
obstante ter sinalizado os pontos de parada do percurso freudiano,
enquanto problematização que tinha sua história, seu limite na
episteme como época da ciência. Mas
ambos, Lacan e Deleuze, se insurgem contra o que consideram a mesma
origem, o mesmo Hegel.
Por
um lado,
o heideggeriano,
o ego da consciência se defende, mas não para ser totalizado. Se
ele se defende, é na qualidade de avesso da totalização. Se
ele acusa, não é por o terem anulado, mas porque para isso ou seu
contrário o procedimento é a totalização.
Heidegger visto como um novo Hegel, que se descartou do verdadeiro
por acusá-lo de totalizante. Contudo, esse descarte seria
sintomático, e de que? Heidegger, um Nietzsche 2, que apenas desloca
para a sua
Als
Struktur, a "estrutura como"
- estrutura do significado em que sempre o dado é "como algo",
predicado atribuível
numa rede de implicações pre-estabelecido -
aquilo
que Nietzsche tratou como Vontade de Potência.
Ambas,
Als Struktur e Vontade de Potência,
inumanas, autônomas,
porém
Heidegger querendo que ela produza o Homem, a significação,
enquanto para
Nietzsche
um
homem que se reduzisse totalmente à sua
significação, sem
fantasiar qualquer outra origem, já
seria o super-homem.
Em
ambos, Heidegger e Nietzsche, o sentido e/ou
significação elide
o que é a consciência hegeliana, relação com o outro.
O sentido/significação pode então ser vertido na ordem pura do
signo - "significante"
lacaniano ou "regime
variável"
guattari-deleuziano. Nós
não temos o
um
e o
outro,
na relação originária.
Temos
apenas a linguagem
- na acepção da estrutura antes que da fala -
esse Outro, que a
ambos
dispõe.
A
questão de Hyppolite acerca da estrutura da linguagem filosófica se
inscreve nesse ponto da pós-metafísica. Em Heidegger, a tarefa do
pensamento no fim da filosofia é rememoração da filosofia
como do Ser e seu esquecimento nela,
esquecimento que é a metafísica.
Para Heidegger existe pois uma positividade pré-metafísica do Ser
pensável como a Aletheia pré-socrática, que
não totaliza o universal, mas
não creio que ele propôs a tarefa como apenas
o retorno ao pré-socratismo, pois isso não daria por si só a
crítica daquilo que todo pré-socratismo desconhece, como
precisamente a metafísica na qual a ciência acabou
de se enxertar. A
tarefa pois, cabendo obviamente como crítica da ciência.
O que resulta no erro, a meu ver, da totalização da ciência como
metafísica, se o pensamento não é dito presente, mas tarefa
futura.
Vimos
no
início deste estudo
(que ficou no blog precedente)
Heidegger
mesmo posicionando
o que seria o único contrário da Aletheia neste mundo
pós-metafísico. Não o que ela critica,
não se sabe bem como,
se ela é o que é porque o desconhece. Mas
o sujeito hegeliano
enquanto totalização do Si metafísico.
Mas
desse
modo vemos que a
crítica de Heidegger com base na Aletheia é ela mema uma premissa
totalizante, da Als Struktur,
apenas colocando na ordem do múltiplo o que a metafísica só peca
por ter pretendido na ordem do uno, e
por isso mesmo Heidegger não pensa que a metafísica fosse evitável.
Ela não é o passado sem ter havido o originário de que esse
passado é ao mesmo tempo que desvirtuamento, um caminho necessário
nessa qualidade de inevitável. Assim como a mais valia ou mais de
gozar em Lacan, aquilo que,
se as andorinhas também tivessem,
teria ocorrido há muito a andorinização do mundo.
Lacan
apenas repete o esquema geoegológico da modernidade
que Hegel esquematizou pioneriamente porém com um espírito
irredutível.
O originário é maravilhoso mas não conduz
à autoconsciência travestida
de ciência
do inconsciente.
E
o progresso que ela representa
foi,
como todo progresso, viabilizado pela vilania da história
que deve
conduzir
a esse avesso. A evidência de que os impérios e o capitalismo não
são a inventividade do homem, e, pelo contrário, são
apropriações que refreiam o desenvolvimento da consciência,
não passa pela cabeça dos porta-vozes do imperialismo travestido de
ciência do progresso mas vestindo a capa do prosélito do
originário.
Em
Heidegger, pois, a Als Struktur não funciona como átomo atribuível.
Se ela é aquilo pelo que nenhum de nós olha para seja lá o que
for na base de um isso em geral que não me importa o que seja até
que eu precise saber,
mas sempre que algo está aí eu sei "o que" é, não se
segue que cada coisa tenha sido uma vez construída como esse "o
que" na minha mente. Mas sim que em nossa mente constituímos um
mundo histórico de valores, uma consciência moral, uma rede de
implicações, a nossa diferente da dos hotentotes, por exemplo. A
aletheia pré-socrática sabia disso, a metafísica é um
procedimento pelo qual a generalidade da Als Struktur se confunde com
a especificidade de uma Als Struktur, a que depura toda história
para supor que subsiste um objeto neutro, científico, absolutamente
essencial.
Porém
como se poderia acusar disso a Nietzsche? E como não se dar conta de
que a ciência
contemporânea,
além do estereótipo, só testemunha a especificidade do
seu contexto de linguagem?
A
dificuladade de decidir entre as leituras de Heidegger e Deleuze a
propósito do super-homem de Nietzsche é patente por isso que se o
primeiro supõe que ele é a epítome do homem nietzschiano, reduzido
a esse universal dos apetites, enquanto o segundo pensa que é outro
que o homem como
único senhor do seu mundo, ambos podem
se reduzir ao segundo. Já que Heidegger abstrai
que os apetites em Nietzsche não são apenas o
que a biologia poderia definir, ou mesmo o referencial do "sole
ipsis" fora de um mundo histórico.
Porém se essa abstração é imprópria, em que o superhomem não
seria o homem hiperbólico?
Ou
seja, aqui,
em todo caso,
há uma irredutibilidade total ao hegelianismo. Se a fenomenologia do
Espírito é crítica
das posições metafísicas anteriores, não crê num originário que
elas teriam desvirtuado. Na
origem está o problema de que elas são os casos, não tanto de
solução, mas de sintomatologia. É
nisso que podemos colocar a questão do saber absoluto como ainda
fenomenológico-filosófica, mas não metafísica.
A
dificuldade aí não é tanto o que resta por pensar da consciência,
se já teria atravessado todas as posições do sintoma e aportado à
solução como a verdade, a autoconsciência. Penso,
bem inversamente, que se teria inaugurado um outro estilo, uma
linguagem nova do filosofar na História, que
se tornaria o texto de um Eu
como um pensamento de mundo.
Mas
sim que
Hegel já lida com o múltiplo
na História, as culturas históricas não são um mesmo, porém ele
elide
ao mesmo tempo,
aparentemente,
a heterogeneidade.
Ao
fazer delas estágios
da Razão na história, como estações da desrazão dominante.
Esse problema não cessa porém apenas pelo
derrogamento do Estado constitucional do século XIX na qualidade de
transparência efetiva da autoconsciência, uma vez que se o constata
apenas cenário da luta de classes. O
que se fez, bastante sintomaticamente, foi somente criar um objetivo
novo como o dessa mesma realização, ainda que ele tivesse que ser
justificado pela consciência da heterogeneidade.
Contudo,
podemos contornar a dificuldade pela reinserção do horizonte
político da Fenomenologia do Espírito
de Hegel,
que assim
obteria esclarecimento na
sua
Filosofia
da História. Ambas
se expressam em termos de Estados como
efetividades étnicas. Mas na verdade tratam
de regimes políticos. Essa
junção é bem atual, praticada explicitamente
pelos regimes de signos deleuzianos, assim como já pressuposta de
algum modo pelo freudismo.
Se
Deleuze elide a consciência, ele coloca no lugar da subjetivação o
que designa "povo", no Anti-Édipo, que porém não é a
efetividade nacional do sujeito, mas o que seria a essência de algum
povo da história com que o sujeito se identifica não por metáfora,
mas porque seu inconsciente realmente atualiza o regime de signo
correspondente àquele povo. O que vai ser explicado melhor em Mille
Plateaux. A propalada
ausência
da
noção de desenvolvimento na história,
para regimes independentes, é
na verdade apenas camuflagem para o
etnocentrismo que reduz os "povos"
a fórmulas perfeitamente estranhas à sua heterogeneidade e
historicidade, mas
de fato o desenvolvimento é identificado no texto
guattari-deleuziano.
A
inversão aparentemente praticada
relativamente ao positivismo de onde porém o esquema deleuziano é
expressamente emprestado como de Morgan,
inversão
pela qual o primitivo seria bom, logo se atenua quando se trata de
afirmar que o primitivo não tem rosto, só "cabeça", e
então quando
se
expressa que seria impossível ao civilizado, que o tem, reproduzir
aquele
estado idílico, utiliza-se o termo "regressão" .
A palavra de ordem de desfazer-se o rosto não é pois uma política
praticável pela própria instância que a compreende.
Além
disso, o originário
guattari-deleuziano
não é o primitivo, mas o esquizofrênico - realmente, aqui, algo
que leitores atentos de Lacan poderiam considerar que se deve a ele
mesmo, não obstante não o ter amplamente
explicitado,
exceto na sua "Resposta a estudantes de filosofia", em que
assume o esquizofrênico em termos "da
ironia que o arma, atingindo
a raiz de toda relação social".
Assim
como a homologia de doença mental, fase do inconsciente
e
posição de
"povos" ante-moderna-ocidental
vem da psicanálise. E
para Deleuze-Gauttari
o regime histórico que tende à esquizofrenia é o capitalismo.
Sendo
óbvio que não se pode postular o capitalismo na aurora dos tempos.
Já
o
regime que
realiza a
esquizofreinia de
um modo são,
se o capitalismo tende a ela mas a reprime artificialmente - enquanto
bárbaros e primitivos a reprimem intrinsecamente -
é o que designam a-significante, que apenas se contenta em
reproduzir qualquer que seja, como julgam Deleuze e Guattari que faz
a ciência, a arte e a filosofia. O
"esquizo" é pois aquele que ao mesmo tempo produz
tudo, como o meio do inconsciente permanecer originário;
e não produz
nada, posto que ser originário é poder reproduzir
quaisquer
regimes
de signo,
e esse poder se realiza pois como personificar variações deles.
Eis
porque os deleuzianos costumam se designar
vampiros, e conforme a tradição, até uma vez um deles bejou-me - o
nosso querido professor Ulpiano, ternamente, no rosto,
quando eu frequentava o seu cursinho no Humaitá,
sem pagar um centavo.
Em
Hegel, o
Sujeito, enquanto não diferenciado do critério do Eu,
a autoconsciência que significa a consciência da existência do
eu alheio,
assim como da coexistência dotada
de sentido,
é
o horizonte comum da Fenomenologia da consciência e da História do
Estado. Resta
portanto, aquilo que permitiu ao Eu
vir a ser pensável. Podemos a princípio atribuir como sendo a
Lógica
hegeliana. A
dialética, a possibilidade aqui sendo a de um pensamento do devir -
o contrário de toda postulação metafísica do Ser. Porém
que o pensamento seja em devir, portanto possivelmente do devir, eis
a assunção da Fenomenologia da consciência.
Se
Hyppolite não
destoa de Heidegger quanto
ao
situamento duvidoso
de
Hegel como último metafísico, ele
começa por colocar essa relação de Lógica e Fenomenologia em
questão. Mas para desse modo, inserindo-a na estrutura do discurso
filosófico, que, como vimos antes, ele situou conforme Hegel, entre
a implicação de uma norma de verdade e a instauração de sua
própria crítica,
reestabelecer o horizonte da tarefa do pensamento. Esta seria um tipo
de rememoração que projetaria uma sombra sobre o que é rememorado.
O que assim se aproxima explicitamente de Ponty, faz porém apelo a
algo que é a estrutura da linguagem filosófica, um estilo.
Após
Heidegger, Ponty poderia de
fato
ser considerado um retorno da filosofia, mas transformada pelo
projeto fenomenológico. Se já estudamos a crítica de Ponty a
Hegel, vimos como a fenomenologia nele é a que procede de Husserl
mas se prolonga em Marx. Nessa
transformação contudo,
o movimento heideggeriano contra a metafísica tradicional foi apenas
melhor assumido como horizonte da ontologia que não seria a
tradicional.
Ao
jogar a filosofia assim
já
revalorizada na
caracterização de uma linguagem,
Hyppolite apenas
se diferencia de Heidegger quando se trata da tarefa do pensamento
pós-tradicional - como desde agora devemos ler o famoso rótulo de
"pós-metafísico". Para
Hyppolite tratando-se de reconstituir a forma da linguagem
filosófica.
Mas logo entendemos que ele não está tentando reconstituir o que
teriam sido as articulações internas de um fóssil. Ele está
pensando em algo bem irredutível, e por isso escolheu Hegel.
Para
Hyppolite, ao
menos num primeiro nível do seu texto, a
nossa indagação sobre quem fala na Fenomenologia do Espírito deve
ter como resposta a consciência comum,
e é ela
o
problema
que Hegel
instaurou como atual
da
filosofia. "... o filósofo não deve se colocar no lugar da
consciência comum, diz Hegel, mas sim segui-la em suas experiências
teóricas e práticas, reunindo estas experiências no 'elemento do
conhecimento'...". (p. 178)
Porém
segue-se logo um escalonamento de níveis. Até aí, postas assim as
coisas, a estrutura da linguagem que se requer
como filosófica
seria a de um texto que se desenvolve em torno desse
seguir. O fim da metafísica de que Hegel seria o último
representante, se torna esquecida, para um Hegel que ao contrário,
inaugura uma filosofia nova. A sequência porém, conforme Hyppolite,
é
a implicação entre
a
consciência comum e o
conhecimento absoluto ao qual ela deve aportar ao cabo da inquirição
fenomenológica. O problema se eleva ao
que podemos colocar como
um segundo nível
da nossa leitura.
Trata-se agora de
defini-lo, enquanto aquele "que ainda hoje se constitui num
problema bem real" enquanto o "caminho extraordinariamente
original" que "Hegel abriu",
como problema das
relações
de ciência e consciência (comum),
assumindo-se
a primeira como produto da segunda
em seu próprio desenvolvimento.
Mas
uma terceira camada vai logo aparecer,
como a tarefa desenvolvida a
partir de Hegel,
uma
vez que se confronta o fato dele não
ter resolvido a contento o problema.
Ora,
o desenvolvimento do problema é de obscura enunciação, uma vez que
se o precede por um torneio tal que Hegel pavimenta de fato todo
o caminho possível
da posteridade possível. Mas
dessa duplicidade,
o que vai se seguir é a retroação à pergunta sobre o "quem".
Hyppolite
atribui,
a princípio, aquele ponto em que a consciência comum se
reconhecerá
na Fenomenologia: "o ponto em que naquilo que Hegel chama
conhecimento absoluto, a consciência comum dirá finalmente: 'mas o
que
você acaba de descobrir eu sempre soube'".
Isso não traz lá muito bons augúrios, posto que Hyppolite compara
a consciência comum neste ponto advinda,
ao Édipo,
no
fim de uma busca de tão trágicos resultados. Então
o enunciado resume numa curta proposição todo o futuro da filosofia
após Hegel: "Somente quando a consciência comum se reconhecer
na consciência filosófica, e esta naquela, é que se chegará à
psicanálise, é que a ciência estará viva e a consciência comum
será científica".
Porém
logo esse
augúrio mais feliz quanto a nós outros, postados como estamos nessa
posteridade, se
realiza pelo deslocamento da origem. Se Hegel não resolveu o
problema, é porque não fez o que Hyppolite atribui às
obras tardias de
Husserl
"quando
examinou
as relações entre
as ciências técnicas e suas origens comuns".
O enunciado é complicado, pois vimos que Hyppolite atribuiu a
temática mesma dessas relações como a originalidade de Hegel. Aqui
ele diz que Hegel não
podia
ter feito
o exame atribuído a Husserl
devido ao
limite epistêmico da época,
não
obstante, continua afirmando "o problema, que Hegel colocou, das
relações entre o conhecimento científico e o conhecimento comum e
entre a linguagem científica e a linguagem comum."
Ao
que parece, Hegel introduz mas Husserl desenvolve. E se antes a
psicanálise é que realiza o
conhecimento absoluto, a justificativa de Hyppolite dessa
asserção não
abrange a
relação de ciência e consciência, mas incursiona pelo conteúdo
da Fenomenologia do Espírito, onde "o admirável na história
da consciência ordinária e de sua linguagem é que desde o começo
ela é sempre um diálogo humano", assim o "elemento
comunicante" transita nesse elemento dialógico, como "o
'eu' e outro 'eu' em confronto permanente".
Assim "o conhecimento passa através da comunicação e, antes
de tudo, como os senhores sabem,
através da desigualdade das consciências que se encontram (Esta
desigualdade senhor-escravo é
um problema por demais conhecido)."
Ora,
tão logo a complicação
fica para trás na
continuidade da exposição, o que decorre como retorno da pergunta
sobre o 'quem'
assoma como o desvendamento da
resposta a partir, novamente, do próprio Hegel, como aquele,
novamente original, que permite posicionar uma "obra filosófica"
como "uma apresentação da consciência comum". (p.
179) A partir daqui qualquer resposta incide,
necessariamente, tanto sobre a filosofia como sobre a consciência
comum.
Porém
não é bem isso que Hyppolite responde.
Mas
sim, bem inversamente, que o discurso filosófico é aquele que
instaura um paradoxo. Sendo
"aquele que não faz distinção entre o ser do conhecimento e o
ser do objeto". Se Hegel é quem o explicita, pondo nessa
explicitação todo o esforço da redação do "Prefácio"
à Fenomenologia..., por um lado está rejeitando tanto o pensamento
representativo, onde o objeto está fora, como o pensamento formal,
que o reduz a um esquema.
Por
outro
lado,
está afirmando que "o verdadeiro pensamento filosófico é o
pensamento no qual o conhecimento não é exterior
à coisa conhecida".
Podemos
entender isso, se o que se torna conhecido na Fenomenologia é a
consciência, de modo algum possivelmente estranha ao empreendimento
fenomenológico em si mesmo,
e, bem inversamente, sendo o seu próprio meio.
Mas
como
a resposta se aplica ao que, assim, seria não o discurso filosófico,
mas a consciência comum? Com
efeito, a resposta de Hyppollite soa ambígua. Ora o que ela expressa
é o paradoxo, formalmente especificado: "No discurso de um
filósofo não sabemos quem está falando, nem sobre o que se está
falando", uma vez
que
nele não há distinção de sujeito e objeto;
ora essa indistinção não é o que a representação ou o
formalismo enquanto discursos filosóficos possíveis iriam
exemplificar. Se Hegel a exemplifica, por ter aberto um novo caminho,
é por que a resposta ele a permite fornecer nos termos da
consciência comum.
Primeiro,
porque é ela que se reconhece na Fenomenologia, como vimos. Mas
também, logo
Hyppolite atenua o paradoxo ao afirmar "o que Hegel nos está
propondo: que o filósofo crie um discurso que seja o discurso e o
ritmo das próprias coisas"
.
(p. 180) Essa proposta seria, conforme Hyppolite, a única que
atenderia ao requisito de um "estilo de narrativa em que aquele
que conhece se integra na coisa conhecida", enquanto o estilo em
que "aquele que fala e conhece e a cois aconhecida formam um
único movimento".
A
alusão narrativa aí não é fortuita, pois Hyppolite, considerando
a Fenomenologia do Espírito "um grande romance da cultura",
defendeu a tese de que ela era o "Wilhelm
Meister"
goetheano,
como vimos também Bréhier considerar, porém Hyppolite depois
supondo ter descoberto que era "também
La
Vie de Marianne".
(p.
177) Em
todo caso, a relação de discurso filosófico e linguagem como o fio
vermelho da
história como da consciência, em Hyppolite, é
apresentada como introduzida por Hegel ele mesmo. Não
só porque "hegel conhecia todos os romances do século XVIII
e ele próprio escreveu um romance filosófico", essa "comédia
terrestre" que é a Fenomenologia do Espírito. Mas porque, se é
permitido não apenas adiar como de fato suspender a discussão sobre
se aí se trata de romance ou filosofia, o
problema pioneiramente enunciado por Hegel: "Com efeito, a
Fenomenologia representa a ciência da experiência comum e da
linguagem comum".
Hyppolite
insiste assim que Hegel é quem inseriu definitivamente a realidade
da mente na linguagem, assim como a do "eu"
e do "tu",
possíveis
apenas enquanto pronomes pessoais, requisitados
embreadores (shifters) do discurso, assim como toda dêixis à
exemplo do "este",
do "aqui"
e do "agora",
"que representam o universal dentro do campo da vida
individual". Um
"Barthes avant la lettre", Hegel,
não
se contentando em ter apenas estabelecido
o embreante a priori dos nossos diálogo e conhecimento,
também ousou posicionar
a linguagem em termos do "estilo ou a expressão fundamental
de uma cultura ou a retórica de uma cultura."
Especialmente a linguagem arte.
(p. 175)
Mas
a originalidade de Hegel assim colocada seria bem pouca, se podemos
lembrar que essa inserção retórica da cultura é o que permitiu
fazer da história ciência social, dotando
de sentido o seu objeto até aí relegado ao fortuito passional da
carne como perfeito oposto do espírito. E quem realizou esse
transporte absoluto da modernidade,
e já desde Herder e Jean Paul, foi
o Romantismo,
que Hegel de modo algum inventou por si só. Porém
assim estaria havendo na leitura de Hegel como um
predecessor de Barthes,
a meu ver uma confusão capital de causa e efeito. O "eu" é
em devir na língua, que assim em si mesma é devir
dos "eus",
mas não o contrário.
Este é o que não seria possível colocar-se antes do positivismo.
Se
o positivismo reduziu a culturaà
ideologia como super-estrutura, e
Marx é bem explícito na "Ideologia Alemã' sobre que cultura é
tudo que se considera o produto do "eu", foi
porque
o positivismo
criou a estrutura,
puramente material, dessubjetivada. O
pós-positivismo descobriu
essa estrutura na própria ideologia, podendo fazê-lo por essa nova
materialidade que é o signo. Mas o Romantismo está
antes do materialismo.
Um
segundo motivo pelo qual
podemos afirmar que
Hyppolite responde
também, sobre quem fala na Fenomenologia de Hegel, que é a
consciência comum, vimos
pela alusão às próprias coisas como falando aí, "o discurso
e o ritmo" delas mesmas. O
que Hyppolite considera a dialética. Ora, se não só de
Fenomenologia viveu Hegel, quanto à sua Lógica, para Hyppollite
nela o que ele pretendeu foi "devolver ao escrito a naturalidade
da fala viva.
Escrever implica num acúmulo de determinações e articulações em
que
o pensamento se fixou para expressar-se em palavras escritas."
(p. 180)
Na
verdade esse ponto é o pivô do interesse hyppolitiano em Hegel, mas
também o seu limite. O
que move todo o interesse da indagação, assim como pela filosofia
mesma, é isso. Que as ciências, sendo o desenvolvimento de
"linguagens técnicas", teriam terminado não só com a
filosofia, mas com "muita de nossa esperança na humanidade",
caso não fosse possível um "caminho entre a consciência
tecnicamente organizada e a consciência comum", percorrível.
(p. 178) O crucial da filosofia é - ou veio a ser - pois, que "a
consciência comum devem então descobrir
em si mesma o despertar da ciência, assim vencerá sua profunda
falta de consciência, pois ela não se entende, não
sabe o que faz ou diz."
Aqui Hyppolite contemporiza. Hegel não diz que é a consciência
comum quem fala na Fenomenologia como pela boca do filósofo, mas sim
que,
por
meio delas,
ele a segue. Porém
o que ele segue é a autodescoberta da
consciência comum. O
que está sendo
falado,
assim como o movimento em que se constituem os objetos e que é o ser
mesmo deles.
Além
disso, contudo, Hyppolite não crê que a consciência comum, ela,
esteja "sempre sabendo o que está dizendo ou
quem está falando através de si". A contingência dela não
saber não é a Fenomenologia que exemplifica: "Às vezes outra
consciência a compreeende [à
consciência comum] melhor do que ela própria, como demonstra o
diálogo psiquiátrico". O
que não elide a unidade em que se instaura a junção de ciência e
consciencia, como a essência da humanidade: "Entretanto, é na
linguagem e no seu exercício que a mente existe. Se há uma
pluralidade de línguas, assim como há uma intersubjetividade, esta
plualidade está dialeticamente contida na universalidade da
linguagem humana.
A linguagem, então, é não só o elemento fundamental do
pensamento, mas a condição necessária para
o
diálogo e o conhecimento". (p.
175)
Ora,
aí também, o limite. Hyppolite especifica onde ele não é
hegeliano. A
tarefa fenomenológica de se vir a achar a junção
de ciência e consciência, "precisamos ser capazes de
fazê-lo", mas assim como "sempre um projeto, nunca uma
totalidade perfeita". Atribui-se
pois a Hegel essa perfeição indesejada.
Não sendo porém dito
nada além da interlocução como aquilo em que se resolve a
definição fenomenológica do que a consciência comum e sua
linguagem é "desde o começo". (p. 178) A pista prossegue
apenas num outro ponto, aquele em que Hyppolite define o metafísico
em Hegel. Trata-se da definição da "consciência universal do
próprio eu,
do Ser"
como "ambiente linguístico",
isto é, "o Logos". (p.
174)
Porém
não se compreenderia esse ponto como uma verdadeira
crítica.
É ele que introduz a consideração do que a linguística de hoje
designa os shifters e os
dêiticos,
como
aquilo mesmo que Hegel teria desenvolvido: "Toda a Fenomenologia
desenvolve esta tese sobre a linguagem e a repete em níveis
difrerentes", afirmando assim os embreantes a priori e a
retórica da cultura.
Podemos
retornar à oposição de Husserl a Hegel, desfazendo algo da
complexidade. Com efeito, Hegel
não analisa qualquer linguagem científica determinada,
em sua relação com a consciência,
quando se trata do conhecimento absoluto já atingido. Porém se ele
não o faz, ao contrário de Hyppolite podemos considerar que não
houve aí um limite de época, mas sim que se
trata de uma questão de exegese. Teria de
algum modo Hegel
antecipado
Bachelard?
Pois
bem depois de Husserl, o "novo" ou "ultra"
racionalismo bachelardiano implica
a impossibilidade radical da junção pretendida por Hyppolite.
O desenvolvimeno da ciência é
autônomo ao seu jogo, a consciência comum de forma nenhum
o prepara ou antevê.
A
questão aqui é que isso não resulta num escândalo
necessariamente, referente a tudo o que
se possa dizer da fenomenologia, justamente se Hegel não pratica a
perquirição do nexo de ciência e consciência a partir da análise
da linguagem técnica. Pois
evidentemente o ultraracionalismo não implica que a ciência
ultrapassa a consciência, como se ninguém fora do laboratório
pudesse entender quando lhe informam que há agora, produzidos pela
ciência, elementos químicos que não preexistiam na natureza. Mas
sim que quimeras da consciência como o noumeno kantiano não são
desfeitas
por nenhum desenvolvimento interno
a ela
mesma
enquanto
comum.
Eis
a produção do ultraracionalismo, via laboratório. O elemento
químico artificial, fenômeno inteirmente sem noumeno.
Mas
é o que se pode duvidar, também,
quanto a Hegel,
não só que ele apenas atinge o momento culminante como aquele em
que aquilo de
que
se fez consciência foi a
possibilidade real da ciência,
independente de si,
e, mesmo assim, efetiva a partir dessa independência como nível da
consciência.
Podemos
pois indagar ainda, se Hegel
está seguindo a consciência ordinária na fenomenologia, ou está,
inversamente, seguindo
a necessidade da formalização conceitual, que ultrapassa a
consciência comum a cada vez que se trata de uma subida de nível
dela mesma relativamente ao que era até aí. O
problema na
interpretação de Hyppolite seria assim que ele nunca nos fala do
devir
como o que Hegel tornou imanente à consciência.
Ele
se limita ao que considera a oscilação de Hegel entre a Lógica e a
Fenomenologia, como entre o quem e o como do discurso, oscilação
que a seu ver situa o interesse da tarefa filosófica presente. Mas
assim todo o desenvolvimento do prefácio como a tese da
estrutura do discurso filosófico em termos de paradoxo do "quem"
e do "que", ficou
baldado. Pois de fato esse paradoxo não responde à
pergunta sobre o "quem",
se o entrelaçamento ao que deriva de um a priori do como, e
a tarefa permanece em aberto. De
fato, como poderia a consciência comum apreender
seu
a priori
embreante? De
que modo se diferencia o a priori da coisa mesma, neste
caso, se
não há consciência comum fora da dialética de eu e você?
///
///
A
defasagem do
pensamento pós-metafísico, de Marx em diante, como a priori
estrutural independente de ser considerado pelo viés funcional do
todo ou pelo estruturalismo das partes,
pela
consciência ou pelo inconsciente, quando
se trata de pensar o devir, atinge
pois o estatuto do universal. Assim
o da linguagem, lembrando tudo o que pode haver de imiscível num
horizonte linguístico coerente com uma hermenêutica à
Schleiermacher ou à Heidegger. Num caso, a miscigenação, e esse
inapreensível além do divinatório, que é o discurso do autor
individual. No outro, a
diferença ontológica como rede totalizante do sentido que enquanto
"ser
aí",
Dasein,
sempre sabe,
mesmo que a totalização seja projeto possível,
em vez do conhecimento como dado.
Na
recepção do hegelianismo hoje em dia,
esse
novo
problema do universal
tornou-se
momentoso, repercutindo porém na filosofia política como
interpretação da "Filosofia do direito",
em que Hegel afirma que o Estado é a "realidade efetiva da
liberdade concreta".
O
neoliberalismo econômico tem
sido
um pretexto da
utilização
de Hegel por causa da concepção
que se
espera
nele haurir, do que seria um
Estado não totalitário. Até aí só poderíamos congratular a
intenção interpretativa. Porém o
que se entende por não totalitário, pode não ser bem aquilo que
nós mesmos consideraríamos assim.
Em
geral, um limite da modernidade enquanto ambientação
pós-metafísica, tem
sido desde Marx a crítica do Estado como apenas a estabilização da
diferença de classe. Não
adiantaria fazer ver que ela não se inscreve na letra da
constituição democrática, mesmo que Marx pessoalmente militasse
pela democracia como propedêutica da organização proletária. A
questão em si tornou-se
o que implica
a forma Estado,
e se tem havido muitas respostas, até a pós-modernidade todas foram
condenatórias dela,
enquanto implicando o universal,
determinante independente
da fluidez da cultura,
e
justamente ali onde não poderia haver ciência,
ou,
pelo contrário, flutuante
acima
da
materialidade da estrutura,
ali
onde só poderia se tratar da ciência da História.
Ora,
o que não poderíamos esquecer quando se trata de Hegel e do que ele
pensou em termos de Estado na caracterização do devir de ciência e
consciência, é
essa
obviedade, que
ele não inventou o seu objeto. Ele não inventou o senhor e o
escravo, mas os posicionou no horizonte observável como o da
história
por conceituar.
A
indagação de Lacan a propósito soa estafúrdia. Não é o caso de
se perguntar por que o senhor devia surgir do embate das
consciências, uma vez que este é o resultado concreto da história
toda,
o haver da dominação do senhorio assim como da escravidão.
Ele não inventou também os Estados que inventariou
até o Estado constitucional da modernidade.
Porém
quando se utiliza Hegel, como o que se quer criticar ou defender,
este particular é singularmente abstraído. Do
dilema gerado pela tese do Estado mínimo do
neoliberalismo econômico, conforme
seu oposto no Estado totalitário, mesmo
uma solução que voltasse ao liberalismo hegeliano poderia não
escapar. Os termos estando desse
modo pre-estabelecidos, seria preciso muita cautela para evitar cair
num extremo ou no outro. O pior, a meu ver, seria que o
neioliberalismo estivesse sendo defendido
como
se fosse
o locus atual do liberalismo em geral.
Pois o totalitarismo é um monólito fácil de atingir, mas o
fascismo difuso destilado pela dominação de classe, não.
Vemos
um exemplo de
uma infeliz possibilidade assim, quando
Hegel
é útil apenas como o pensador de um "Ideal de Estado"
enquanto realização do "Estado pensado, o Estado que deveria
ser",
que porém "não encontramos realizado" mas sim apenas "uma
espécie de ideia reguladora dos Estados históricos". O
referencial da idealidade porém, sendo o universal
hegeliano,
enquanto essa novidade conceitual que proveria
a reunião de ética e política
depois
de tanto tempo vigorando
a
sua
maquiavélica
oposição,
na sua definição da função ou ideal de um "Estado
ético-político, ou seja, do político que se
fundamenta em bases éticas."
É
do
modo
que se expressa Thadeu Weber,
apoiando-se em Noberto Bobbio
(O Estado ético, in
"Estado e política; a filosofia política de Hegel",
Dotti, J. et alii, Rio de janeiro, Zahar, 2003, p. 104).
(p. 106).
Procederei
a apreciação crítica desse exemplo tencionando
separar o menos possível as duas noções de Estado e
Universalidade, uma vez que atribuo
o problema da interpretação do Estado hegeliano nele ao
modo como foi
entretecido pela
posição abstrata
do
Universal. Contudo, o texto hegeliano
mesmo aprofunda a autonomia de cada uma delas.
Defende
pois
Th. Weber,
que no
texto hegeliano "a
ideia do Estado existe apesar das deficiências históricas. Hegel,
portanto, parte da ideia do Estado (do Estado pensado) para emitir
algum juízo sobre os Estados históricos". Para
um contraste dessa posição com o texto hegeliano, vemos a autonomia
da teoria do Estado. Pois Hegel não
poderia
considerar
o Estado um ideal
que existe independente da história, se para ele a história existe
somente enquanto existência do Estado. Há assim uma pré-história,
que não é isenta de sociedade, mas sim da organização desta em
nível de Estado.
Só
se poderia pois entender o Estado estudando a história em que ele se
efetiva, e é por isso que Hegel não estabelece uma ideia do Estado,
mas sim um
devir em que se sucedem
vários Estados
até aquele em que algo mais vem a ser expresso,
além da dicotomia de sociedade e Estado.
A
saber, a
liberdade dos sujeitos como algo até então nunca pensado, não
antecipado, como
a função mesma
do
Estado.
Que
esse ponto é essencial, vemos por isso que o engano de Th.Weber é
reforçado pela sua convicção de que o Estado ético
em
hegel precede
aquele
que é tratado como apenas político.
O
Estado político é a estrutura do "Estado constitucional
hegeliano",
a monarquia constitucional da época, que assim de fato se pode
afirmar ser um referencial histórico da
modernidade,
com outros tipos de Estado anteriormente documentados.
(p.
108)
Mas
a base ética de qualquer constituição é referenciada
pelo texto como as
sociedade enquanto referenciais
de costumes e tradições.
Assim não podemos conceber
sociedade sem Estado como
referência ideal
do "ético-político,
ou seja, do político que se fundamenta em bases éticas".
(p.106)
Repetindo,
o
Estado político é a estrutura do "Estado constitucional
hegeliano",
mas
a
"base ética sobre a qual se sustenta a Constituição"
está confundida
com a
sociedade civil enquanto "formação política". Mais
exatamente,
na colocação de Th. Weber,
"A Constituição de um Estado, portanto, é o próprio Espírito
do povo".
Nem
mesmo
haveria para ela o prerequisito de ser escrita,
como também "já está sempre feita",
refletindo nas suas mudanças contínuas aquelas em que consiste o
tempo vivido
de
um povo.
(p.
107)
Mas
se
o Estado é o ideal e não o efetivo,
sendo o ideal o propriamente ético, o
que seria esse
propriamente
ético
já não
se limita à pluralidade dos povos, e, pelo contrário, vem a ser a
"determinação
de princípios éticos universalíssimos" acima da pluralidade,
enquanto "princípios éticos universalmente aceitos".
Esses princípios podem, devido à sua universalidade, conforme Th.
Weber em consonância com Bobbio, servir
como "tribunal da história a ser tomado como ideia reguladora
do Estado político",
de modo que
possa vir a ter
este "base
ética"
tal que
permita julgar entre as constituições particulares
dos povos
qual é ou não é ética.
O
exemplo é a posição
da
mulher no "regime
Talibã", que
"embora seja próprio do espírito de um povo ou revele
exatamente o que é o espírito desse povo (seus costumes e
tradições) certamente está fora do espírito do nosso tempo, bem
como do 'espírito do mundo' de hoje". Assim
também os
ataques terroristas "contrariam o espírito do nosso tempo e
mais ainda o 'Espírito do mundo'". O
que é perfeitamente absurdo, do
contrário Hegel seria aquele pensador bisonho de um a priori de
Estado de todo fora da história, como o avesso do que nela está
ocorrendo
de mais grave e fundamental
ao tempo. Aliás,
a própria História
efetiva
seria o contrário do espírito do tempo.
Já
vimos que Hegel considera o Estado contemporâneo
a
realização da
liberdade dos cidadãos enquanto sujeitos,
como aquilo que até
então se desconhecia na história.
O importante aí a
meu ver, é sua relação por tematizar, com o que
está ocorrendo na época,
a
transição
do direito estamental para aquele que,
pautando-se pela igualdade da lei
do país,
teria por referencial os sujeitos
que constituem a população.
O
contrário, o
antigo regima,
era a lei diferenciada para cada estamento, o que propriamente se
designava "estado" - assim na França, a revolução foi
feita pelo "terceiro
estado",
composto pelos plebeus, o segundo sendo o clero e o primeiro a
nobreza.
Vemos
portanto que a expressão usada por Th. Weber, "Estado
estamental",
não só como o que Hegel teria preconizado como ideal, como ainda a
saída para o suposto como tal dilema de Estado mínimo neoliberal e
totalitarismo,
é absurdo.
Pois
um estamento é um estado como lei instituída própria, e não
poderia haver um Estado de vários estamentos, o que seria um Estado
de vários Estados, uma
constituição de váras constituições.
E
de fato, a oposição que se tem feito à legalidade, por oligarquias
ou anarquismo, se
expressando pela autonomia
suposta natural
de grupos, se expressa contra o Estado
constitucional
por algo que supõe estar acima dele em termos de moralidade. Mas uma
moralidade que não tivesse por limite os direitos humanos, não é
que não exista, mas sim que se tornou inaceitável num certo momento
histórico, aquele em que a
emancipação dos escravos atingiu o nível da moralidade
constitucional.
A
oposição que se tem feito ao Estado, por parte de aristocracias ou
anaquismos como de Foucault, insurge-se não contra a letra da lei,
mas pelo que a forma enquanto esse sentimento moral. Sugere-o
um falso humanismo. Esquece
Foucault e
outros que
essa moralidade não se confunde com o dever-
ser sádico, mas é a
dos direitos humanos.
Sua
tentativa sempre foi reduzi-la a uma expressão do dever-ser
sádico, porém a
tradução do conflito social
no embate de lei e distorção, moralidade e corrupção,
legitimidade e poder, não
prova que não existam os primeiros, só os últimos. O próprio
modo de isolar a crítica na formação do ethos legal tem isso de
peculiar. Anula esse
confronto, pois não faria sentido lutar contra a corrupção, se não
houvesse qualquer horizonte da legalidade como princípio orientador
da luta. Mas se não há, por que se deveria ser foucautiano, ou seja
o que for? Trata-se apenas da guerra de todos contra todos, tornada
para sempre insolúvel.
Não se vê porém porque essa
glorificação da força bruta
não resultaria na identificação mais chapada do "um"
mais forte.
Não é tanto o que o pós-estruturalismo rejeita, como que a
imposição seja de fora para dentro, mas não vemos porque a
rejeição pós-estrutural do "um" não venha também de
dentro, etc.
A
"legalidade", assim
como a pensamos num Estado constitucional, com
efeito, é o contrário do direito estamental,
pois implica que todos tem os mesmos direitos e deveres. É um
princípio da legalidade,
internacionalmente reconhecido,
que ninguém pode
ser julgado por uma lei diferente da que reconhece como pertença ao
seu Estado.
O liame nesse caso atende aos próprios interesses da pessoa, sendo
de natureza unicamente legal.
O
reconhecimento, a noção
hegeliana
aí implícita, é pois a
inteligibilidade de um mundo de relações, cujos integrantes não
tem meios de saber
a
verdade sobre os interlocutores de antemão. O reconhecimento não
desfaz esse raulsiano "veu da ignorância",
se o liame, a pertença dos sujeito a um Estado enquanto cidadãos,
não diz respeito aos seus corações e mentes.
Muito
menos implica que todos entretem relações mútuas de parentesco ou
compadrismo.
Menos
ainda - obviamente - que haja um Urstaadt
sistêmico igual a si para o que importa desde os tempos dos
imperadores bárbaros até agora,
na forma virtualmente "legitimada" de algum império
mundial.
Não,
obviamente, já que pelo contrário, trata-se da legitimidade como
heterogeneidade das leis, dos Estados nacionais como de suas
constituições, mas estas só cobrem e só devem cobrir o que
importa à ação em
nível público.
Pode-se
pois, regular até que ponto todas as crianças de um país estão
sujeitas a castigos dos pais, e
só podemos julgar os pais pela regulação do seu país como a única
que conhecrem e tem obrigação de conhecer, mas
não tem sentido regular a intensidade, o modo de ser e de se
expressar, do amor dos pais pelos filhos,
aqui ou em qualquer lugar.
Simplesmente
não tem sentido regular sentimentos privados, aquilo
que já é como é por si só
e não
não havendo
assim
possibilidade alguma de mudança,
dolo
ou desvio
quanto ao que é,
e
se sentimos que não tem, é porque prezamos nossos direitos e somos
capazes de prezar que estejam sendo respeitados os alheios. A
questão da legitimidade como Ideia
é posta em Hegel por isso. Não é de hoje que sentimos assim, mas
se houve escravismo ou senhorio, nem todos sentiam assim, porém num
certo momento da história, ocorre um consenso que
legitimiza em nível de Estado,
nacional e internacionalmene,
a esse sentimento, ao contrário da dominação escravista senhorial
de outrora. A
questão hegeliana
não
anula a História, não pretende
se colocar
acima dela. Pelo contrário, só é ponível por ter havido uma
história, por terem se constatado mudanças. Do
contrário, Hegel teria se captura no seu próprio diagnóstico,
naquelas figuras da consciência que projetam ideais de certo ou
errado puramente idiossincráticos, ou mesmo, se são ideais justos,
não tem contudo ressonância numa prática de contestação
histórica.
Mas
a história não
teria sentido se
a questão,
como da ideia, não
fosse ponível assim que a história acontece. E ao acontecer,
ilumina o passado como cenário sem distinção, enquanto meio
humano, relativamente
à
possibilidade desse acontecimento. Então os Estados passam a serem
vistos numa movência histórica, ao contrário de revelações
divinas inalteráveis
por si.
Assim
me parece pertinente colocar as coisas quanto a Hegel, naquilo que
seria a armação conceitual do seu pensamento político,
não desfigurado.
Porém pode-se
objetar que ele
não fica só nesse âmbito maior da generalidade. Se há
sobredeterminação na
particularidade, da
história como ela é por um dever-ser que ele extrapola tal
que se podem fazer ilações sobre estados de coisas que seriam
efetivamente atuais mas não históricos; ou ilações
racistas a partir do situamento de formas de Estados arcaicas
relativamente
ao progresso da emancipação;
esses
são itens obviamente criticáveis e o necessário é analisar como
se constituem discursivamente.
Se
constituem-se por
limite epistêmico
informativo de época ou por decisões tomadas em nível ético,
em todo caso a questão é se há
no discurso hegeliano
explicitamente
relação entre a generalidade e a particularidade,
ou se o que se traduz aí é um sintoma, na sua forma costumeira de
hiato. Mas o interessante é que os críticos atuais
de Hegel nunca se interessam pela particularidade, não a criticam
nem se lembram dela
em sua crítica. Pelo contrário, só há crítica reportável em
nível de generalidade. E isso não é a toa. O que chamamos aqui
particularidade na sua vertente racista é universalmente praticado,
como venho sublinhando ao longo deste estudo, para efeitos disposição
cisória da modernidade "capitalista europeia-ocidental"
relativamente a tudo o mais como anterioridade - se não já, para
bem ou mal e em variados graus, na sua versão
"européia-ocidentada".
Em
nível de generalidade, Hegel não se incompatibilizaria com a
antropologia pós-moderna, que obteve informação da democracia como
a forma mais antiga do urbanismo, o sumeriano, assim
como sua prática na organização de algumas sociedades tribais -
porém não outras
- informação totalmente contrária a todo o postulado antropológico
que a modernidade conheceu.
Em
nível de particularidade, obviamente sim.
Porém
o hegelianismo pós-moderno, aquele que tem sido ostensivo como
revalorização de temáticas concernentes a Hegel na teoria recente,
deve-se claramente ao que chamei nível de generalidade. A questão
da relação dos níveis
só
poderia ser colocada desde um endereçamento mais consciente na
crítica da sobredeterminação antropológica que acima tratei como
a assim designada ciência do desenvolvimento, na verdade a ideologia
do imperialismo. O
que tenho designado "geoegologia",
e que acima expliquei como autoposição do ocidente construída como
oposição disponibilizadora do "primitivo"
é evidentemente esse nível de consciência.
E
se
pelo nosso viés crítico da geogologia, podemos
colocar
aqui
a questão do desenvolvimento em Hegel, como nível particular, num
contexto isento de
oportunismo
e
de preconcepção
oligárquica
relativamente ao geral,
o interesse pós-moderno parece-me
se
explicar
por isso que
Hegel é o único teórico da modernidade que tem um nível de
generalidade compatível
com
o
nível de particularidadepós-moderno
- ironicamente
excetuando-se assim
a
particularidde de
Hegel
mesmo, tal como a dos demais
modernos.
Porém
já é hora de se preocupar com isso.
O
próprio dilema
de
neoliberalismo e totalitarismo,
como
posto
por Th. Weber,
é falso,
posto
que o Estado constitucional de direitos civis, cujo referencial são
os sujeitos, cidadãos de sua nacionalidade, como do seu Estado, já
existe e é o vigorante. O
que se designa dilema de neoliberalismo e totalitarismo deve então
ser transposto para abranger duas formas de ilegalidade
como dominação de abuso dos direitos humanos, não
dois modos de se posicionar o Estado como a legalidade. Porém,
essas duas formas de ilegalidade não tem o mesmo estatuto do ponto
de vista da teoria política hegeliana,
em seu nível geral.
A
primeira, o neoliberalismo, é ilegalismo no sentido do crime comum.
Hegel
não previu certamente que alguém pudesse ser tão cínico a ponto
de sugerir que a prática de crime comum como roubo, dominação
sobre a sociedade na forma de abuso de preços, escravismo, etc.,
pudesse ser ignorada pelo Estado enquanto referencial da punição do
crime contra os cidadãos. Ele realmente nunca pensou o
"capitalismo". Entretanto,
todas as formas de abuso cometidos pelo "capitalismo" estão
arroladas como crime pela constituição. Assim a dominação
neoliberal não é uma questão do Estado, mas da corrupção dele,
e isso é explícito, já que o neoliberalismo não requer leis, bem
inversamente, preconiza o fim do Estado como dever
coibitivo e punitivo
contra
o abuso econômico,
assim como contra qualquer abuso.
A
segunda,
o totalitarismo,
inversamente, é
o que Hegel tratou como
proto-legalismo.
É uma
forma histórica
do
Estado que
a modernidade tornou arcaica. Porém o terrorismo na atualidade, como
tem expressão entre etnias e nações colonizadas, oprimidas pelo
imperialismo, expressa
situações em que a forma arcaica se atualiza, quando se trata de
nações reduzidas ao comando do seu exército revolucionário
contra a subjugação imperialista
ou neocolonial.
O
Irã é um exemplo conspícuo. Já tendo alcançado a modernidade
representativa, na altura dos anos cinquenta, o governo legal
de Mossadegh
foi derrubado por um golpe de Estado documentado por historiadores
como
Cl Julien,
intervenção ilegal da Cia, a qual, para se apoderar do petróleo
iraniano, instalou uma ditadura cujo governo era egresso do nazismo
hitlerista.
O golpe foi subvenciado a
alto custo por
Aramco, cartel de petrolíferas americanas, com vantagens cedidas a
petrolíferas inglesa, francesa e holandesa.
Como sabemos, a reação econômica nacional naquele país foi
possibilitada apenas por uma adesão popular,
naquele contexto resultando assim
o totalitarismo religioso dos Aiatolás. Na
América Latina, intervenção igual para fins de dominação
econômica
que impôs as
recentes ditaduras
militares
de capitalistas, foi
documentada por
René Dreyfuss para o caso brasileiro.
Os
totalitarismos de direita implementados
no terceiro mundo diretamente pelo capitalismo central
foram de barbárie monstruosa, desmentindo frontalmente a tese
foucaultiana do abrandamento das penas como a priori da modernidade -
enquanto não apenas as leis pró forma, também o sentimento de
repulsa à punição brutal.
Não surpreende que o neonazismo tenha emergido como tendência
internacional, do cenário das ditaduras.
Eu
creio que a globalização, uma vez que está se comprovando
recolonização,
além da barbárie
sádica
disseminada
agora em nível de ideologia,
vai acabar sofrendo o mesmo destino das nações colonizadoras no
cenário das guerras de descolonização, porém muito agravado o
cenário pelo fato dessas guerras já terem acontecido, e não
podermos mais lidar com os imperialistas como apenas
movidos por algum tipo de inocência histórica. Destino
de
morte que
será muito justo, devido à desfaçatez do neoliberalismo econômico,
como já expressei acima, e especialmente a nojenta intervenção
dessa sabotagem da consciência
assim como do elemento mínimo da legalidade,
que é "personal
computer".
A
situação interposta pelo capitalismo na história é complicada
demais para analisarmos aqui, mas algo que precisamos observar
é que sendo como colocamos, a noção de moralidade do Estado em
Hegel é na verdade o conceito
de "legalidade". Um
conceito haurido da história como daquilo que
se realizou
em termos da consciência dos direitos humanos. Aquilo que estava
sendo expressamente requerido pelos teóricos políticos do
liberalismo,
assim como pela população oriunda do esclarecimento, na
reurbanização pós-feudal. Ora, a questão aqui é por que a
burguesia modernizante revolucionária não queria apenas trocar de
rei, mas sim
um
regime de legalidade instituída que não tinha na tradição até aí
qualquer exemplo
concreto. A documentação teórica responde a essa pergunta. A
heterogeneidade do aborígine americano, lembrando ainda que as
Américas são empíricas, não a priori dedutíveis,
implicou a constatação da realidade liberal na origem. A
questão da teoria política era então como ela se transformou em
história, como "modernidade". Hegel imprime um novo estilo
na teoria política, por estar presenciando mesmo na América a ação
histórica do abolicionismo e formação nacional.
Quanto
a nossa ênfase na relação de Hegel com a legalidade enquanto
axiomaticamente
o
direito subjetivo e não estamental grupal, de
fato
é essencial, já que não há ideia de nacionalidade, referencial da
constituição enquanto do Estado, contemporânea.
se não com base na transição refernciada ao direito dos
sujeitos
por igual,
não
havendo
igualdade logicamente
pensável
senão dos sujeitos individualmente considerados.
Só
assim já não
sendo possível ao príncipe ou a quem quer que seja declarar
que "L'Etat
c'est moi". Ou que a história nacional se reduza, como o
referencial do que a nação é, à dos feitos de algumas famílias
numa época recuada da formação territorial.
Isto é, já não havendo ideia alternativa de nação legalmente
constituída.
Ao
contrário, o ideal designado
liberal
que Th. Weber defende como sendo o que Hegel
preconiza é o que
conforme
aquele
se
designa
"Estado
estamental".
Este seria
o Estado ético essencial: "O Estado pressupõe uma sociedade
organizada em estamentos". (p. 103)
Utiliza-se
ele
aí
do
termo Stände,
salientando não se tratar de classe ou estado social, mas instância
político-representativa do Estado (p. 109). Ora, o que pode ser
político-representativo do Estado, além da
população, caso se esteja falanto do que o Estado representa, ou os
poderes que expressam a forma do governo, como hoje os poderes
executivo, legislativo e judiciário?
Inversamente,
Th. Weber considera assim o que designa instâncias mediadoras como
o que Hegel
prosaicamente considera grupos sociais em que participam cidadãos: "a
família, as corporações e as regras vinculadas a cada uma".
(p. 106) Desse modo não há obviamente
diferença alguma da semântica estamental do antigo regime, exceto
que a hierarquia do poder dos grupos não tem o mesmo título
que nobreza, clero e plebeus,
sendo porém constante,
uma vez que famílias e sindicatos traduzem a escala desigual,
e não são obviamente sujeitos.
Para
Th. Weber, as instâncias mediadoras são a efetivação da
representação política, pelas quais o
Estado cumpre sua função universal de garantir o interesse
particular,
deixando-se limitar pelas instâncias o poder de atuação estatal.
Porém, não há interesse particular estatal-
constitucional
reconhecido,
que
não
mediado
pelas referidas esferas
ou instâncias.
O que resulta numa contradição flagrante. Ora se diz que "a
limitação das liberdades individuais, o que se dá pelo processo de
mediação, é condição de possibilidade de sua realização"
(p. 106); ora, pelo contrário, que assim
"evidencia-se a impossibilidade da eliminação das liberdades
individuais. Essas são a própria realização e concretização da
universalidade representada pelo Estado". (p. 105)
A
relação do indivíduo com o que é atribuído a Hegel ter
especificado o "sistema de família e da sociedade civil"
é posto por Th. Weber, como
o contrário do Estado totalitário, porém não vemos como o seria,
já
que a imposição do assim suposto universal ético de Estado poderia
passar a ser feita com base totalmente extrínseca à nacionalidade.
Além de que, o sujeito não existe para esse "Estado
estamental" suposto ético - inexistência que define todo
Estado totalitário.
Porém
não se
jusifica
por outro lado, como é
que não
se trata da justificativa do neoliberalismo econômico em termos de
"Estado" do tempo e do espírito do mundo atual.
Se
aquele é a concretização das esferas corporativas
em que o sujeito
deveria solver-se na totalidade das instâncias civis,
naquele referencial que Th. Weber explicitou como os
Estados Unidos.
É
evidente que a solvência do sujeito dos direitos em estamentos como
esferas que talhariam a sociedade em funções integradas, não
permitiria compreender nem mesmo as questões pertinentes aos
interesses supra-individuais, do ponto de vista histórico. Por
exemplo, não se poderia colocar a questão da violação cotidiana
da
igualdade de direitos entre homens e mulheres, pelo business de mídia
ultramoderno, enquanto canal redutor
da mulher a objeto abjeto da sexualidade do homem, posto
que não há nenhuma lei
que o prescreva. Em contrapartida, não se poderia pesquisar o que
realmente pensam e como realmente agem as mulheres do assim
designado "regime
Talibã"
- que nem mesmo, ao que se sabe pela mídia, tem representação
civil de Estado além de facção religiosa,
isto é, ao que se considera que geralmente se adere por vontade
própria ou formação pessoal.
O
corolário do texto de Th. Weber, suposto hegeliano liberal, é uma
invectiva do futuro como possibilidade promissora da
convivência dos "diferentes
'espíritos
dos povos'",
propugnando
ao invés um golpe que realize " a determinação de princípios
éticos universalíssimos" como "certamente a condição de
possibilidade
de sobrevivência no planeta..."
.
(p.
108)
Só
não se apresenta qualquer meditação que reflita o equacionamento
desse fato histórico óbvio, que é o
conflito crescente ser
oriundo
de uma dominação imperialista pavorosa, que desde seus inícios na
catequese jesuítica não fez nem jamais almejou fazer nada
diferente de uma determinação assim. Inversamente, usa-se o
conflito em
si como
o remédio dele próprio.
E
o liberalismo conceitua-se
erroneamente
como um super poder planetarizado, como Estado único, sem relação
alguma com o sistema das famílias e da sociedade civil que alguém
possa reconhecer como o seu,
além de um núcleo de
nações que se arroga o monopólio do próprio tempo presente, logo,
de todo sentido de passado e futuro, sendo um tal Estado enquanto
ético designado em termos de
"administração
das diferenças".
Não
se compreende como podem permanecer sendo diferenças se estão sendo
homogeneamente e extrinsecamente administradas. Não
considero que este
Estado estamental do
bobbiano
Thadeu Weber seja posição liberal. Nem
é habitualmente designada liberal qualquer revogação dos direitos
do cidadão considerado não por subsunção a qualquer grupo social.
O
que ocorre é que as relações que envolvem pessoas são reguladas
por leis, tendo cada lei por seu conteúdo aquela ação específica
que
envolve
pessoas posicionadas intersubjetivamente assim que nela se engajam.
Ampliando
o horizonte observável, compreende-se que a trama das ações
possíveis numa sociedade configura uma intersubjetividade,
como possibilidade de sentido já preconcebida
por todos, se não agem
de modo totalmente incoerente.
Em
Hegel a intersubjetividade nesse sentido sociológico é
evidentemente a nacionalidade, o que está expresso
pela letra da constituição que reflete o ajusta da heterogeneidade
local, e
que não pode pois ser subsumida por qualquer poder
supra-constitucional. Assim
podemos entender que Hegel tenha pensado a representação dessa
heterogeneidade pelo legislativo pluralista
eleito por voto dos cidadãos,
que é o
fundamento racional da representação estatal
caso não haja corrupção,
em termos dos representados como os vários estamentos, na acepção
apenas dos vários grupos de interesse que compõe uma certa
sociedade num certo momento histórico.
Ora,
o que Hegel trata como a moralidade do Estado constitucional, deve
ser primeiro visto como algo que ele mesmo posicionou como o que não
existia antes,
mas se realizava naquele momento, como a modernidade. Isso
está expressamente destacado por ele em "A
Razão na História",
junto
às transformações históricas expressas pela Revolução
Francesa, mas quanto ao horizonte refletido por Hegel, a dialética
do senhor e do escravo obviamente tematiza a independência das
ex-colônias e nelas ocorrendo a abolição da escravatura.
O
raciocínio que
desenvolvo aqui
é como segue. Entre Locke e Rousseau, a teoria política deixou de
poder ser estruturada como ainda por Hobbes, na base da tradição.
Uma antropologia se tornou a base científica, ainda que não
nomeada, como informação do estado originário, o aborígine
americano.
O
que se sedimentou como o conhecimento efetivo,
científico, "teórico político", foi
a cisão das condições de natureza
e sociedade. Mas a cisão se observou na prática transposta,
nos
acontecimentos da independência
na América. Antes que, como de Marx em diante, um novo tipo de cisão
fosse estabilizada, como entre mito e consciência histórica, Hegel
expressa o intervalo como a possibilidade que restou, antes da
biologia darwinista da horda primitiva. A saber, que
na América, assim como até então se havia observado o estado
originário, agora se estava observando a evolução histórica,
a formação do Estado mas também, conforme as circunstâncias da
colonização, a formação sem intermediários da origem à
modernidade abolicionista e constitucional. Na
modernidade tendo havido a transformação na concepção da pessoa,
que se tornou sujeito - o oposto da
subsunção ao grupo.
Mas
o
que
se torna
visível desse
modo, como
a
vida dos sujeitos, é a intersujetividade como a trama de suas
relações, as quais se presentificam em ações como o objeto da
regulação legal. É essa a razão pela qual a legalidade é uma
moralidade, mas não porque de fato tenha se anulado a cisão do
público e do privado. Pelo contrário, a liberdade é o ethos do
privado, como do sujeito, e essa é a esfera "ética",
diversa da política, que Hegel não negou ser independente, assim
como essa independência ser o que o Estado político
tem que garantir se ele é legal.
A
intersubjetividade se tornou histórico-efetiva,
em
Hegel, uma vez que
a heterogeneidade do social precisou vir a ser pensável
na quebra da unidade da tradição pela hiância marítima que
informou a irredutibilidade americana,
e
é
o que me parece aquilo de
que
Hegel se ocupou.
Assim
aqui estou me opondo a um tipo de interpretação do que Hegel
estabeleceu em termos de esferas do social, que poderia resultar numa
visão da sociedade como preconizada pela teoria althusseriana dos
Aparelhos Ideológicos de Estado.
Bem
inversamente a
essa
unidade chapada, penso que Hegel tenciona estabelecer a independência
de três níveis como a essência da legalidade, refletida na
atualidade de um Estado constitucional. Esses níveis são o ethos
subjetivo,
privado;
o
meio em que ele se expressa como a intersubjetividade social, aí
onde esferas como família e corporações vem a refletir o que é
assim produzido na efetividade;
e o Estado como nível em que o estatuto público do social vem a
configurar a sua natureza política. A legalidade é a articulação
da liberdade entre os níveis, mas tendo na livre escolha da
privacidade o seu conceito, no exercício efetivo de suas escolhas na
sociedade a sua efetividade, e o Estado sendo a sua
razão, sua expressão formalizada.
Ao
me opor à referenciada interpretação da teoria hegeliana da
sociedade e da ação social, os althusserianos Aparelhos Ideológicos
de Estado, devo ressaltar que ela não é de todo não imputada ao
próprio Hegel, mas como o que se deveria criticar nele como ideólogo
da burguesia capitalista. A
base dessa crítica é portanto o que a meu ver carece inteiramente
de consistência, posto que não existe burguesia capitalista, mas
sim imperialismo,
o que não é um conceito que possamos sedimentar a partir da noção
elementar de classe,
não sendo realidade estatal-social-nacional,
mas geopolítica-econômica-
internacional.
Mas,
quanto a Hegel, se ele equacionou o caráter epistemologicamente
revolucionário da intersubjetividade histórico-efetiva, vemos que
não poderia ter deixado de observar que o
conteúdo
desse
pensável já não poderia elidir a sua própria possibilidade,
enquanto histórica.
O problema desse vir a ser do
pensável
enquanto
tal é
o que Hegel tratou na Lógica, não propriamente ainda na
Fenomenologia. Porque
esta é o que efetivamente
se tornou
pensável. E
aquela é o que este
vir a ser problematizou irreversivelmente.
Não
creio pois que haja aí um círculo ou uma partição de tarefas. Mas
sim que algo
foi problematizado
requerendo uma resposta,
e algo que é precisamente a lógica,
na medida em que algo se apresentou como devendo necessariamente
vir a ser. Assim
tampouco creio que seja a consciência comum o que poderia se
reconhecer ao final da Fenomenologia do Espírito, se não na
transformação total que a subtrai da generalidade do "comum",
instaurando-a na particularidade de ser
consciência do problema posto pela sua historicidade mesma.
Como
poderia a autoconsciência subjetiva realizada ser ao mesmo tempo a
realização da consciência comum?
E como poderia o conhecimento absoluto, enquanto a
possibilidade de
autonomias
do inteligível
inexpugnáveis
como
das ciências, ser o equivalente dessa comunidade realizada da
consciência?